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terça-feira, 22 de junho de 2010

Fumódromo


Depois de um dia um pouco puxado de trabalho, dou de cara com ele, meu companheiro de aventuras, me esperando na porta, com sua mochila nas costas, voltando do trabalho. "Ti pago uma cerveja, topa?" O meu sorriso exausto diz sim. Sentamos um de frente pro outro e quando nossos olhos se bateram ele me disse. “A tua solidão é a minha preferida sabia?!Porque ela me sorri.Nós precisamos brindar a isso”. “Ok! vamos brindar a todas as solidões que sabem sorrir sem culpa” digo erguendo o copo. E assim a noite começa, sem pretensão de ser mais do que aquela agradável conversa de bar depois do expediente. Comento que uma amiga havia me chamado pra ir à Metrópole, onde iria rolar um evento chamado "noite das divas", mas que não me animei muito pra ir e acabei recusando o convite. Ele me olha, maliciosamente. Da porta da boate ligo para minha amiga, e nada dela atender o cel. Entramos só nós dois. “Lá dentro eu acho ela!”. Estava lotado, o tema da festa era ótimo e a noite prometia. Enfim comecei a me animar. Fomos atrás de combustível. Parei no bar, peguei umas bebidas e fomos dançar. Não estava muito interessada em quem estava ao meu redor, minha solidão continuava me sorrindo. Dancei ate suar e fiquei meio descabelada, como só as mulheres com solidões bem humoradas conseguem ficar. De repente o ar pesou e fomos para a parte aberta da boate, onde costumávamos suar nossos vícios. Sentamos e ao som da MPB vasculhamos ótimos papos, cercados daquela decoração rústica que eu simplesmente adoro. Ela chega sorrateira com as mãos nos bolsos, ar despretensioso, e sua solidão parecia lhe sorrir também. Foi o que deduzi de início. Já a minha, aquela de sorriso exibido, caiu por terra naquele momento, como um cachorro da mudança. Percebo então que ela espera alguém, que no mínimo deve estar tentando um espaço pra se fazer percebida pelo barman coberto pelas cabeças e os seus pedidos. (A sensação de que o barman nunca vai ti ouvir, mesmo você já estando a consideráveis minutos berrando, - como nunca fez nem pela sua cantora preferida-, a cada vez que ele passa perto de você com uma bebida diferente na mão, é aterradora) . “Uma caipiriiiiiinha”. O mundo estava virando do avesso naquele bar.O céu ameaçava desabar e até a lua estava meio torta aquela noite. Mas ela e sua áurea de mistério não. Continuavam lá, sem muita pressa de lugar nenhum. Olhar aparentemente perdido, algumas sardas, bermuda quadriculada, cabelos curtos com um repicado na frente que insistia em cair nos seus olhos e que ela jogava para o lado, um ar alternativo...e sobravam interrogações dentro de mim. De repente tudo o que ela respirava a partir daquele momento era do meu interesse. “Se eu continuar falando aqui sozinho, vou lá, arrasto e sento ela aqui do seu lado”. Diz o meu amigo já aborrecido. Eu o encaro surpresa por alguns segundos e em seguida caiu na gargalhada, ele também. Naquele momento as amigas dela, nitidamente, namoradas ou ficantes, saem e vão para a parte fechada da boate e ela sai junto,logo depois ela volta e vai no bar comprar a sua bebida. Eu acendo outro cigarro e desisto daquela tortura. “Vou no bar”.Aviso. Me levanto, vou até lá,enfrento o congestionamento, compro uma tequila (porque se ela não me der coragem,nada mais nesse mundo dá), e volto. Passo bem ao seu lado e finjo desconhecer a sua existência. Não me pergunte por quê. Pois já que minha intenção era conquistá-la, concordemos que no mínimo eu deveria olhar pra ela. Mas não, não dessa vez, ela era misteriosa demais para eu estragar tudo com um olhar promíscuo de quem quer uma ficada sem compromissos. Eu queria ingerir cada gota de história que corria no seu sangue. E não se bebe o sangue de alguém assim tão facilmente. Cada passo precisava ser milimetricamente estudado, qualquer pisada em falso poderia ser fatal. “Oi, tudo bem?! meu nome é João, qual o seu nome?”, “ Helena”,diz ela meio surpresa. “Gostaria de sentar um pouco aqui com a gente?” -Eu mato ele, eu me recuso a acreditar nisso, eu juro que arranco ate o último suspiro de dor dessa língua enorme e... Viro pra ela e cumprimento ...- “Oi tudo bem?” , “ Tudo e você?”Ela responde com uma voz grave que me arrepia tudo por dentro. “Ótima, bem melhor agora” (bem melhor agora! bem melhor agora ? Puta que pariu, eu precisava mesmo ter dito isso?) Meia hora de conversa e eu já sabia que ela fotografava, mochilava (pra ter mais haver comigo só faltou ser musicista)e tocava percussão [;)].Toco suavemente a sua perna e depois aperto fazendo um pouco de pressão, e como em uma corrente elétrica, naquele momento, sinto passar toda uma energia para dentro do meu corpo que vai se perdendo pelas minhas veias e me molha os sentidos. Resolvemos ir dançar, “ótima idéia,porque caso isso seja efeito do álcool, vai sair pelos meus poros agoooora,e vai voltar pro mesmo lugar de onde veio”. Namoramos.

Um comentário:

Anjo Azul disse...

Magnífico!
A descrição da cena, o desenrolar da história e o desfecho textual.

Posso pedir um autógrafo?

rsss