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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sangue


Estamos sujas, cansadas e com sede. De novo escolhemos a porta errada. O céu já não esta tão azul, a cor dos olhos já não são tão brilhantes, os poros já não se arrepiam, o velho sangue escorre pela boca novamente enquanto a gente tenta estancar com a mão minúscula de quem ainda não cresceu. Sobe um cheiro de azedo no ar, enquanto tudo acontece muito rápido. E se é pra sangrar que seja no ritmo do meu cd do System Of a Down, que agora toca alto o suficiente pra que eu não consiga ouvir meu peito com suas angustiantes interrogações. Na fila pro show do Jorge Vercilo, caminho como se não estivesse alí, meus passos são ritmados. Involuntariamente entrego o ingresso e logo em seguida uma moça me revista. Abro os braços, e eles dizem como em um último pedido de quem não se importa mais: “Vai! Acaba logo com isso”. A adaga cravada no meu coração passa despercebida por ela. Entro na multidão. Esta tocando a única música que poderia me traduzir naquele momento. Olho para céu e como em um ritual mágico, fecho os olhos, a música entra letra por letra nos meus poros que finalmente se arrepiam, enquanto meus ouvidos abafam todas as vozes ao meu redor. Canto “asas cortadas” com uma força que esses meus pulmões nem sabiam que tinha. Era o meu momento, era só o que importa naquela hora. Queria expulsar a minha angústia por não saber se mereço teu sangue escorrendo por mim. E eu não quero sangue. Mas ele esta lá e eu não posso virar as costas, tenho medo de você ter uma hemorragia. Eu preciso continuar estancando ele com minha mão minúscula, mesmo sabendo que tudo o que consigo compartilhar agora é essa minha solidão. Mas você me olha enquanto eu finjo que durmo e diz baixinho que vai me dar até a última gota do seu sangue. E eu quero soprar com esse ar gelado e seco que agora sai do meu coração, o teu ferimento. Mas sinto tanto sono e isso não vai dar em nada. Você me faz gentilezas e isso me incomoda, porque eu quero que você me ajude a fazer as malas, mas você só faz o café. E eu sinto vontade de me matar por ser tão medíocre. Eu sinto vontade de te odiar e não precisar mais me anular, pra não ver você sofrer. Eu já me perguntei se isso é uma forma torta de amor. E se for? E se eu for embora o que acontece? Como ainda não achei uma resposta, empurro e faço força pra o meu egoísmo caber dentro do meu armário abarrotado, no meio das minhas roupas desarrumadas. Depois vou deitar ao seu lado e espero você adormecer. Saiu então para pegar vento no rosto, e me pergunto "até quando vou fingir que estou dormindo".

terça-feira, 22 de junho de 2010

Fumódromo


Depois de um dia um pouco puxado de trabalho, dou de cara com ele, meu companheiro de aventuras, me esperando na porta, com sua mochila nas costas, voltando do trabalho. "Ti pago uma cerveja, topa?" O meu sorriso exausto diz sim. Sentamos um de frente pro outro e quando nossos olhos se bateram ele me disse. “A tua solidão é a minha preferida sabia?!Porque ela me sorri.Nós precisamos brindar a isso”. “Ok! vamos brindar a todas as solidões que sabem sorrir sem culpa” digo erguendo o copo. E assim a noite começa, sem pretensão de ser mais do que aquela agradável conversa de bar depois do expediente. Comento que uma amiga havia me chamado pra ir à Metrópole, onde iria rolar um evento chamado "noite das divas", mas que não me animei muito pra ir e acabei recusando o convite. Ele me olha, maliciosamente. Da porta da boate ligo para minha amiga, e nada dela atender o cel. Entramos só nós dois. “Lá dentro eu acho ela!”. Estava lotado, o tema da festa era ótimo e a noite prometia. Enfim comecei a me animar. Fomos atrás de combustível. Parei no bar, peguei umas bebidas e fomos dançar. Não estava muito interessada em quem estava ao meu redor, minha solidão continuava me sorrindo. Dancei ate suar e fiquei meio descabelada, como só as mulheres com solidões bem humoradas conseguem ficar. De repente o ar pesou e fomos para a parte aberta da boate, onde costumávamos suar nossos vícios. Sentamos e ao som da MPB vasculhamos ótimos papos, cercados daquela decoração rústica que eu simplesmente adoro. Ela chega sorrateira com as mãos nos bolsos, ar despretensioso, e sua solidão parecia lhe sorrir também. Foi o que deduzi de início. Já a minha, aquela de sorriso exibido, caiu por terra naquele momento, como um cachorro da mudança. Percebo então que ela espera alguém, que no mínimo deve estar tentando um espaço pra se fazer percebida pelo barman coberto pelas cabeças e os seus pedidos. (A sensação de que o barman nunca vai ti ouvir, mesmo você já estando a consideráveis minutos berrando, - como nunca fez nem pela sua cantora preferida-, a cada vez que ele passa perto de você com uma bebida diferente na mão, é aterradora) . “Uma caipiriiiiiinha”. O mundo estava virando do avesso naquele bar.O céu ameaçava desabar e até a lua estava meio torta aquela noite. Mas ela e sua áurea de mistério não. Continuavam lá, sem muita pressa de lugar nenhum. Olhar aparentemente perdido, algumas sardas, bermuda quadriculada, cabelos curtos com um repicado na frente que insistia em cair nos seus olhos e que ela jogava para o lado, um ar alternativo...e sobravam interrogações dentro de mim. De repente tudo o que ela respirava a partir daquele momento era do meu interesse. “Se eu continuar falando aqui sozinho, vou lá, arrasto e sento ela aqui do seu lado”. Diz o meu amigo já aborrecido. Eu o encaro surpresa por alguns segundos e em seguida caiu na gargalhada, ele também. Naquele momento as amigas dela, nitidamente, namoradas ou ficantes, saem e vão para a parte fechada da boate e ela sai junto,logo depois ela volta e vai no bar comprar a sua bebida. Eu acendo outro cigarro e desisto daquela tortura. “Vou no bar”.Aviso. Me levanto, vou até lá,enfrento o congestionamento, compro uma tequila (porque se ela não me der coragem,nada mais nesse mundo dá), e volto. Passo bem ao seu lado e finjo desconhecer a sua existência. Não me pergunte por quê. Pois já que minha intenção era conquistá-la, concordemos que no mínimo eu deveria olhar pra ela. Mas não, não dessa vez, ela era misteriosa demais para eu estragar tudo com um olhar promíscuo de quem quer uma ficada sem compromissos. Eu queria ingerir cada gota de história que corria no seu sangue. E não se bebe o sangue de alguém assim tão facilmente. Cada passo precisava ser milimetricamente estudado, qualquer pisada em falso poderia ser fatal. “Oi, tudo bem?! meu nome é João, qual o seu nome?”, “ Helena”,diz ela meio surpresa. “Gostaria de sentar um pouco aqui com a gente?” -Eu mato ele, eu me recuso a acreditar nisso, eu juro que arranco ate o último suspiro de dor dessa língua enorme e... Viro pra ela e cumprimento ...- “Oi tudo bem?” , “ Tudo e você?”Ela responde com uma voz grave que me arrepia tudo por dentro. “Ótima, bem melhor agora” (bem melhor agora! bem melhor agora ? Puta que pariu, eu precisava mesmo ter dito isso?) Meia hora de conversa e eu já sabia que ela fotografava, mochilava (pra ter mais haver comigo só faltou ser musicista)e tocava percussão [;)].Toco suavemente a sua perna e depois aperto fazendo um pouco de pressão, e como em uma corrente elétrica, naquele momento, sinto passar toda uma energia para dentro do meu corpo que vai se perdendo pelas minhas veias e me molha os sentidos. Resolvemos ir dançar, “ótima idéia,porque caso isso seja efeito do álcool, vai sair pelos meus poros agoooora,e vai voltar pro mesmo lugar de onde veio”. Namoramos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Não tente



Não queira me fazer feliz, nem tente. Não me procure na sua nova namorada. Não me conte seus segredos. Não queira saber do meu dia sem você. Não finja que não liga, enquanto lê escondida todas as minhas estórias. Elas não são pra você. Elas não são sobre você. Nem essa aqui é pra você. Ela é pra mim. Pro meu ego tranqüilo, por ter virado a página que você escreveu na minha história. E depois me deixou, passeando pelo mundo, para ir passear pelo céu natalino, montada em um trenó qualquer, em busca daquela estrela na calçada da fama. Cata!Cata logo as migalhas que você anda jogando pelo chão, porque eu não vou te seguir. Nem pense. Tira esse sorriso do meio da cara. Ainda gosto de Chico Buarque, porém não escuto mais pregações tortas. Agora eu ando em bares sujos e bebo o sangue das feridas. As porras das feridas, que mesmo você não ligando, nunca cicatrizaram.E talvez foi por isso mesmo. Você me sangrou a alma e unhas afiadas não chegam mais tão perto. Por isso a sua maldita cicatriz, vai ser aquela que sempre estará lá. Mais que nunca mais verei refletida no espelho.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A Estrela pequenina




Menina!Para de esbarrar em mim com o corpo todo suado como se fosse sem querer,todas as vezes que eu passo do lado da quadra espaçosa do teu sorriso. E eu paro de me exibir pra você quando to pulando elástico de frente pro seu campeonato de cartas marcadas. Não me olhe como se eu fosse só a primeira amostra do que a vida te reserva. Quando você ainda nem consegue perceber, que o que a vida te reserva é tudo o que você já sabe e tem medo de ter certeza. E eu paro de te olhar como se tudo o que eu desejo estivesse por ai, ainda a tua procura. Você ainda nem sabe quem é de fato,mas experimenta me pagar um milk-shake com as moedinhas que você economizou durante a semana, só pra me mostrar que você pode ser muito mais. E eu te dou os milhões de retratos teus, que os meus olhos tiram todas as vezes que te vejo,só para te colecionar, caso ao amanhecer você evapore como um sonho bom. Me deixa subir no teu ombro pra que eu possa ficar tão alta, como quando sinto o toque (sem querer) da tua mão na minha, no corrimão da escada depois que bate o intervalo dessa vida miserável e hipócrita. Quando você parar de fingir que não me ama, não sei se trapacear no pêra, uva, maçã e salada mista, sob olhos de um outro mundo, vai me tirar esse medo que também sinto de me perder num caminho escuro e sem garantia de volta, no percurso entre cada estrela que brilha bem no alto do céu da tua boca. Eu quero ver quando essa mão subornada que finge que tapa o teu olho a cada amanhecer, te deixar ver também quando não for eu, pra que assim eu possa perceber que você escolheu negar o afago de outra mulher. E que quando teus olhos se abriram, na tua cama vazia ainda permanecia o meu cheiro, intacto e guardado. Ai sim!Te entregarei os meus sonhos, embrulhados na fitinha azul que prendia o meu cabelo quando te vi pela primeira vez. E nessa noite me leve a um bom restaurante, trajando o teu melhor sorriso. E dance comigo ao som do jazz a meia luz. E quando um blues começar a tocar , perceba o sinal. E me dê de uma vez aquela estrela guardada na caixinha de jóias, que você foi buscar antes mesmo de me reconhecer. Enquanto eu vagava perdida pelas ilusões da vida. E que você guardou até esse momento embaixo do teu travesseiro, enquanto eu limpava o meu ser até ecoar, de todas as promessas não cumpridas que só serviram pra me fazer ver que ainda não era você, e ficando mais uma vez a espera da tua luz que me faria sentir viva.Porque o simples brilho dos olhos,acenderia o cosmos ao nosso redor e calaria toda promessa vã,secaria toda lágrima de decepção e sararia todos os aranhões que sofri, escalando os muros que me impediam de ver o brilho que escapava do teu travesseiro, e atravessava a tua janela, durante todas essas noites, em que você incansavelmente me esperou entrar pela tua porta, com uma rosa na mão.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Não fui eu


Que direito eu tenho de dizer a alguém “Não seja tão caricato.Sim, seja menos criança.Pára de bobeira.Não limpa a mão na roupa. Não faça brincadeiras com as pessoas como se tivesse perdido a sua infância(antes de ao menos saber que a tinha)em algum lugar e nunca mais a encontrou. Não fale como se todo o seu senso de firmeza e seriedade, estivesse derretido como esse sorvete que escorre pelas tuas mãos. Seja ranzinza, estressado, frustrado e desesperado para se tornar alguém realizado antes dos 40. E não me olhe como se eu fosse feia, chata e estraga prazeres. Eu somente, já aprendi a ser infeliz.”

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pra decência não me ver



O dia amanheceu e eu aqui, sentada na minha cama, extática e nostálgica, no último trago do cigarro adormecido - funciona melhor que qualquer terapia!- Essa minha vontade súbita de escrever, nada mais é que um desejo agressivo e sentimental de despir minha alma desprevenida e receosa, cheia de sentimentos “Amélipoanos”, todos eles, e com uma pitada de descaramento.De egoísmo, desse meu jeito de Alice sonhadora.Surreal e masoquista de coração.A vontade, ou melhor, a necessidade de um arrepio na espinha,e ser tomada ate as pernas estarem trêmulas num delírio de prazer digno da literatura Barroca.Essa alma que sente demais,transbordante,viciada em sentir,com suas overdoses de amor tão particulares.Esse corpo pedindo sossego num prazer ardente.Agora, cá com esses meus sonhos despidos e sujos jogados em cima da minha cama,aguardando o momento mulher racional e decidida.Respiro todo o cinza ao meu redor,enquanto acendo outro cigarro,adequadamente pronta para a ocasião.Minha cara lavada,rabo-de-cavalo, a camisa tamanho único que ganhei da última campanha política da minha amiga DJ, e por fim ,minha melhor calcinha.Sento no chão e penso: “odeio ser tão gótica”.E de tragada em tragada, sem as certezas que me fazem falta, como o filho que ainda não tive,olho minuciosamente cada parte do que o intestino da minha alma sem sono vomitou sobre o meu cobertor lilás.Me pergunto se jogo tudo isso pra debaixo do meu tapete macio ao lado da cama,-Afinal é pra isso que eles servem,esconder o podre do meu estômago, o que é sujo e indecente-.E assim,troco os lençóis,deito e durmo? Ou procuro aquele whisky cansado e guardado e depois de suficientes goles me jogo por cima de toda essa bagunça e adormeço como uma menininha perdida?Limpo obcecadamente como um colecionador cuidadoso cada minúcia de sonho, projetos e sentimentos vomitados, com uma flanela 100% algodão.Me culpo por cada um deles,enquanto os reorganizo na prateleira do meu ser e os deixo livres para fazerem poeira, e de tempos em tempos atacar minha rinite depressiva? Eu peneiro tudo e como uma boa mestre cuca, faço uma receita magnífica com os melhores ingredientes, seguindo o meu coração?Esse mesmo que me permite errar e chorar, e correr esse risco. Ou eu simplesmente escuto uma segunda opinião?Bom!E assim sem resposta, eu chego na última tragada do último cigarro da minha caixinha metálica da Marlboro.Eu cá,os sonhos lá!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Ônibus e o Radio

No Radio, a musica me avisa - a juventude “nada mais é” que uma banda, numa propaganda de refrigerantes-. Enquanto isso do outro lado da rua, em uma esquina movimentada, alguém se preocupa com a minha salvação. A moça de pele bonita passeia com seu cão de raça, que faz seu coco com pedigree na calçada. A mesma que serve de cama para acalentar sonhos cansados, sujos e descalços num cobertor rasgado, daqueles que a esperança já abandonou há muito tempo, desistiu. Mas que mesmo assim levantam todas as manhas em busca de mais um dia. Em pé no corredor, a degradação social leva alguém a falar sobre suas mazelas à aquelas pessoas divididas em ilhas, sentadas em poltronas, cada um no seu mundo particular visto pelas mesmas janelas. Alguém ouve música e bate o pé ritmicamente feliz atrás de mim. Enquanto a paisagem entra por um olho e sai pelo outro, o casal de turista da poltrona da frente analisa a arquitetura contemporânea. Mas alguém que não esta no seu universo particular, nem ouve música ou compara cidades, tira algumas moedas do bolso e aquele homem desce na parada seguinte com o jantar garantido. Não tinha percebido ainda aquela loja vintage que abriu do outro lado da rua. Como é o nome mesmo?! -Penso se desço- e é quando Marina Lima me diz ao pé do ouvido: “mesmo que seja eu”, e então eu fico analisando o que ela acha de ser o homem de alguém!Essa canção me faz lembrar a mulher que é tão poderosamente mulher a ponto de ser dela mesma. Afinal eu não sei por que ser o homem de alguém.Na maioria das vezes, prefiro ser a mulher de alguém, mesmo que esse alguém “seja eu”.O Senhor aparentemente na casa dos 40, com uma pasta de (aparentemente) couro na mão sentado ao meu lado,olha concentradamente agora para o que eu escrevo.Engraçado,eles sempre desviam disfarçadamente o olhar para a frente,mas 10 minutos depois, no Maximo,voltam a dar olhadas de leve,podendo jurar que não estão sendo percebidos.Porque alguém escrevendo ao seu lado é digno de tanta curiosidade? Alguém uma vez riu e perguntou: “é uma musica?” Fiz um bom amigo.Espero que ele tenha passado naquela entrevista, tava nervoso. Volto a pensar na minha própria respiração e nos mistérios da astrologia, perdendo os olhos entre os carros, ouvindo o inicio do Mariano que alguém uma vez me cantou. Simplesmente!